quinta-feira, 24 de junho de 2010

Atestado médico falso é vendido em praça pública


Um dia na praia, um passeio com a família, ou simplesmente um dia para não se fazer nada, essas são algumas das justificativas de quem compra um atestado médico falso. Na Praça da Sé, em Santo Amaro ou em Pinheiros é possível encontrar ambulantes que vendem todo tipo de produtos como óculos, revistas, CDs, etc. Em meio aos ambulantes comuns, estão outros tipos de vendedores: os que vendem atestados médicos falsos.
“Qualquer um que quiser pode comprar, já comprei atestado médico e até diploma de ensino médio”, é o que diz Rafael Silva Martins, 20, vendedor de carros. Rafael relata que queria viajar em um feriado e a solução mais simples que encontrou foi ir ao Largo Treze, em Santo Amaro, pois sabia que lá era fácil de encontrar ambulantes que vendessem atestados médicos. Seu desejado dia de folga custou apenas R$15,00.
O comércio ilegal é feito ao ar livre e sem nenhum tipo de repressão por parte das autoridades, policiais passam ao lado dos chamados “plaqueiros” e na maioria das vezes não tomam às devidas providências. O ex-policial militar e atual Guarda Ambiental de Parelheiros, Silvio de Oliveira, justifica a falta de ação da polícia, “a PM não tem a obrigação de agir nesse tipo de crime, isso é tarefa da Polícia Civil, que tem como especialidade investigar, porém existem outros crimes que são prioridades e eles acabam deixando um pouco de lado a venda do documento, mas acredito que sempre há algum tipo de investigação sendo feita”.
Silvio também conta um episódio de sua vida em que precisou realmente do atestado e não conseguiu. “Eu, sendo funcionário do Estado, fui ao hospital Servidor Público, localizado no bairro Vergueiro porque tinha sofrido uma contratura muscular nas costas, chegando lá fui mal recebido e principalmente mal atendido. O médico disse que era só dor muscular que já ia passar. Não me deram nenhum medicamento e não me deram algum atestado, tive que trabalhar durante uma semana com muita dor nas costas e acabei tomando medicamentos por conta própria. Outro dia, precisava de uma folga em meu trabalho, fui ao mesmo hospital e acabei fingindo que tive uma torção em meu tornozelo, o estranho é que consegui o documento! E acabei conseguindo três dias de folga. É difícil entender como funcionam as leis desses hospitais públicos.”
Não é só por lazer que as pessoas costumam comprar atestados médicos falsos, muitas vezes, pacientes realmente doentes precisam ficar em casa, mas o sistema público de saúde não disponibiliza atestados.
O estudante Willian Ferreira, 17, disse que estava doente e foi no UBS (Unidade Básica de Saúde) Jardim Comercial. Lá disseram a ele que não podiam disponibilizar atestado médico, apenas entregaram o comprovante de horas, que a empresa na qual trabalha não aceita como comprovante medico, então Willian teve que trabalhar o dia todo com dores, mas nem por isso recorreu à compra ilegal. O mesmo ocorreu com Priscila Brito Leite, recepcionista, 20: “Sempre passei em hospitais, prontos-socorros e postos de saúde e nunca consegui atestado médico, eles sempre dizem que não podem dar”.

Ei, vai um atestado aí?
Praça da Sé. Por volta do meio-dia do dia 13 de maio, céu nublado, pessoas por todos os lados, executivos, moradores de rua e vendedores. Lá também está um homem aparentemente com 50 anos, calça jeans, camiseta básica e boné azul com alguma propaganda. Esse é Paulo que segura um pedaço de papelão do tamanho de uma folha de sulfite com os dizeres: atestado médico demissional e admissional.
Um de nossos repórteres perguntou ao ambulante o valor de um atestado, Paulo logo responde perguntando se é admissional ou por “falta na firma”, o repórter responde que por falta e Pedro diz: “Ah, por falta é 20 real (SIC) o dia, a folha em branco é 50 real (SIC). É só um dia que você quer?”. O ambulante também afirma que é tudo garantido e que o documento é assinado pelo Hospital da Glória, localizado nas redondezas. “Vai direto, não volta não, é carimbado e o médico é clínico geral, pode colocar que você esta com diarréia mesmo”.
Paulo pergunta o nome completo do repórter, o encaminha a uma lanchonete e diz para esperar que logo trará o documento pronto. Cinco minutos depois Paulo volta e entrega discretamente um papel dobrado.
O tal papel contém as informações do paciente, o nome do médico, Doutor José Jorge Montalveme, e seu respectivo CRM (número de registro no Conselho regional de Medicina).
Nossa equipe de reportagem ligou para o Hospital da Glória e para nossa surpresa, o Doutor José Jorge não apenas existe, mas também trabalha todas as quartas-feiras nesse mesmo hospital. Quando perguntado se havia algum registro do paciente, a recepcionista do hospital, com voz trêmula, responde que não poderia dar nenhuma informação por telefone, só poderia verificar se o paciente realmente passou no hospital e se o atestado é verdadeiro, mediante carta timbrada e carimbada por alguma empresa. Tal burocracia acaba fazendo empresas desistirem de confirmar a veracidade dos atestados médicos que seus funcionários apresentam.
Em entrevista ao site “Canção Nova Notícias”, Terezinha Aparecida, médica e auditora fiscal da Delegacia Regional do Trabalho do Estado de São Paulo explica: “O Ministério do Trabalho vê com maus olhos esse tipo de ação. Existe uma fiscalização em cima disso. O atestado de saúde ocupacional está obrigatoriamente atrelado há um programa de controle médico, então ele não pode ser vendido nem emitido por um médico que não tenha conhecimento da realidade do trabalhador. Existe, por exemplo, o site do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo em que todo o profissional habilitado no nosso Estado está registrado no nosso conselho, qualquer pessoa pode consultar através do nome ou do CRM do médico se o atestado foi emitido por um médico cadastrado.”
Na sessão de pesquisa de médicos cadastrados do site do CREMESP (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), foi encontrado o nome completo do doutor José Jorge, e seu CRM corresponde ao do carimbo e está cadastrado no Conselho Regional de Medicina desde 1976.
Marcela Gama Jorge, advogada do Centro Clínico Castelo, explica que o atestado médico é um direito do paciente, não podendo ser negado. “O conteúdo desse documento é de inteira responsabilidade do médico, devendo refletir estritamente seu parecer técnico. O médico tem liberdade de atestar o que achar conveniente e ético ao exercício de sua profissão. O atestado é um documento que reflete o estado do paciente e, se for o caso, cuidados que devem ser tomados aos olhos do médico. O CREMESP, em seu próprio site, ainda complementa: “A emissão de atestado médico falso, é uma infração ao Código de Ética Médica que, em seu Artigo 110, afirma que ‘é vedado ao médico: fornecer atestado sem ter praticado o ato profissional que o justifique ou que não corresponda à verdade’.”
Jéssica Pãmella Alves Lopes, estudante do 7º semestre de direito, explica quais são as punições previstas por lei para quem emite atestados falsos: “O médico que dá, no exercício da sua função atestado médico falso pode ter pena de um mês a um ano de detenção, podendo ser agravada por motivo de obtenção de lucros. Já o empregado que compra ou utiliza o atestado médico falso, pode ser demitido por justa causa, caso a empresa consiga provar a falsificação.” Jéssica ressalta que acha a pena muito leve, pois várias pessoas são envolvidas, não apenas o médico, tornando-se assim, um problema da sociedade. “Esse tipo de crime deveria ser tratado da mesma forma que a justiça trata um falsificador de RG, por exemplo, com pena de um a cinco anos de prisão”.

Nicolli Oliveira, Francisco Lima e 1 pokinho de Doug Mazzoco... Hihi...