Famosa por sua diversidade comercial, a rua Augusta se transforma à noite em um dos maiores pólos sexuais da cidade de São Paulo
Carros, pedestres, comércios, garagens grafitadas, moradores de rua e casas com cadeados. Tudo isso se destaca na rua Augusta, no sentido centro, durante o dia. Uma placa com os dizeres “venha comemorar o aniversário da gatinha patricinha conosco” é a única prévia do que acontecerá na rua ao anoitecer.
Por volta das 20 horas de uma quinta-feira, no “Bar do Matão”, localizado próximo ao espaço Unibanco de Cinema, o funcionário Severino Pereira, 47, conta como será o resto da noite. Segundo ele, o movimento mais intenso começa depois das 23 horas, quando é quase impossível transitar de carro por toda a rua em menos de uma hora. Há 19 anos trabalhando no bar, Severino afirma que há mais de 20 casas de prostituição na Augusta: “existem garotas de todos os tipos: loiras, morenas, mulatas, ruivas, paraguaias, colombianas... Tem para todos os gostos”. Quando questionado a respeito do funcionamento das casas, Severino aconselha a procurar recepcionistas ou gerentes das casas ao redor.
Fátima, recepcionista da boate “Casarão” que fica ao lado do bar onde trabalha Severino, recusa-se a dar qualquer informação sobre o funcionamento da casa: “de mim vocês não vão conseguir nada!”. E quando indagada sobre alguém que pudesse falar sobre o assunto, ri e diz: “Ah, vocês vão ter que penar muito”. Fátima tem razão, pois os envolvidos com esse tipo de atividade não costumam falar sobre o assunto por saberem que agenciar garotas para a prática da prostituição ou influenciá-las a realizar esse tipo de atividade é ilegal.
De acordo com especialistas em direito, a prostituição em si não é crime, porém quem agencia outros a prestarem serviços sexuais para com isso obter lucro, ou seja, pratica a popularmente conhecida “cafetinagem”, comete um crime com pena de um a quatro anos de reclusão mais multa. Já se alguém tem uma casa de prostituição, independentemente de o local ser comandado por uma prostituta ou não, também comete crime com pena que vai de dois a cinco anos de prisão mais multa. Em casos de agravantes relacionados a esses crimes, como aliciamento de menores e violência, as penas podem variar.
Segundo o delegado assistente que cuida da região e prefere não se identificar, a abordagem da polícia limita-se a recolher as prostitutas para ver se estão portando algum entorpecente e levá-las à delegacia para conferir suas fichas criminais. “Eles (cafetões) e as meninas estão muito ‘lisos’ hoje em dia. É difícil pegar qualquer coisa que os comprometa”. O delegado também afirma que qualquer ação policial envolvendo crimes relacionados à prostituição é muito difícil: “não podemos proibir uma pessoa de entrar em um bar e sair acompanhada de lá com uma menina, pois as casas de prostituição são camufladas. Se alguém desejar fazer alguma denúncia, deve realizar um boletim de ocorrência ou então ligar para o disque denúncia”. O número de telefone do disque denúncia é 181 e quem liga não precisa se identificar.
O delegado assistente também conta que o maior motivo de reclamação dos moradores da região não é a prostituição, e sim o barulho causado pelo intenso movimento na rua durante a noite. “Muitos rapazes deixam suas “namoradinhas” em casa mais ou menos à meia noite e vão para a Augusta em busca das prostitutas. De dentro do carro, abordam as meninas, ficam conversando com elas e o carro de trás buzina, causando barulho”, afirma o delegado.
Em relação a dados estatísticos sobre crimes relacionados à prostituição, o delegado diz que encaminha as informações para a delegacia seccional que abrange toda a região central da cidade. Segundo a seccional, os dados são contabilizados e encaminhados para a Secretaria de Segurança Pública, onde, de acordo com a assessoria de imprensa, não há qualquer estatística sobre o assunto.
As vozes da Augusta
De shorts jeans e blusa de moletom, sai uma garota do “Casarão” que diz ter 22 anos e trabalhar na casa há três. Quando perguntada sobre seu nome, pensa alguns instantes e diz: “Jéssica”. Já em relação ao funcionamento de seu local de trabalho, Jéssica olha para trás diversas vezes e fala: “ele (cafetão) não vai gostar. É melhor conversarmos durante o dia”. Após passar o número de seu celular, que até o momento só cai na caixa postal, Jéssica volta ao “Casarão”.
Além de trabalhar nas casas, existem também as prostitutas que fazem propaganda de seus serviços colando pequenos anúncios em telefones públicos. Fabiana, 22, trabalha dessa forma. Por telefone, diz que começou a trabalhar com a prostituição há dois anos. “Os clientes me ligam e marcamos um encontro em algum motel das redondezas”.
Fabiana cobra R$ 60,00 por encontro, realiza em torno de três programas por dia e trabalha sozinha, ou seja, não é agenciada. Há também as que cobram mais, como afirma a funcionária de um famoso flat da região, que prefere não se identificar: “Lá no flat, as meninas cobram em média R$ 350,00. A mais top cobra R$ 500,00. Algumas têm até máquinas de cartões! Todos os funcionários sabem o que elas são e o que fazem, mas ninguém fala nada sobre o assunto”.
Reportagem de Nicolli Oliveira e Michelly Siqueira.